Poema, de autoria de nosso confrade Sérgio Caponi, que
será por ele lido na proxima sessão do dia 3 de junho, na
Academia Campinense de Letras.
AUSCHWITZ - BIRKENAU
Sérgio Caponi
Qual a vazão nominal da chaminé?
E no campo todo, quanta dor pode caber?
Quanto medo?
Quanto desespero pode ser contido nas
paredes das câmaras?
Dois mil corpos por dia: quem
alimentará os fornos?
Quantas latas de Ziklon B serão
necessárias?
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Quantos pijamas listrados serão
esvaziados?
Quantos fios de cabelos serão
contados?
E do ouro dos dentes, quantas
quilos serão apurados?
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Quem preservará o tifo de toda
cura?
Quem cuidará da sobrevivência dos
piolhos?
Quanta casca de batata se poderá
tirar de cada prato de sopa?
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
O ambulatório pede gêmeos para pesquisa.
O ambulatório tem pressa...
Precisa-se de gêmeos idênticos
urgentemente.
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Na boca dos vagões o trem regurgita
multidões.
Um oficial narigudo morde a fila:
- Direita;
- Esquerda.
Os cães ladram teutônicos.
Pastores germânicos para o gado que
chega.
Eficiência canina para uma corrente
de sombras.
Disciplina!
Disciplina!
E a carabina aponta para um choro
de criança.
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
A locomotiva, desesperada, fuma e
grita ao lado da chaminé.
Há música no ar:
O trabalho liberta.
A morte liberta.
A luz do holofote liberta.
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Já basta!
Não corra para garantir cama no
alojamento.
Não corra para garantir sapato
herdado na pilha.
Não corra para o banho.
Não há banho!
Vá devagar.
Vá sem pressa.
Pise descalço a neve sem ranger os
dentes.
Não busque relógio na torre.
Não há relógios.
Não ouça o telefone que toca com
ordens do comandante.
Não veja o cão com o osso novo na
boca.
Não escute o piano nem o tambor.
Não veja caixão no avião que zumbe.
Não preste atenção nas aves do céu
nem nas luvas de couro dos guardas.
Não busque caminhos nas farpas nem
nos fios eletrificados das cercas.
Não se oriente.
Não há mais norte, nem há mais sul,
nem leste e nem oeste.
Não busque, tétrico, as estrelas do
céu,
Nem a lua,
Nem o sol,
Nem as árvores de lá fora,
Nem o lá fora,
Nem o dentro,
Nem o certo,
Nem o errado,
Nem o antes,
Nem o depois,
Nem o bom,
Nem o mau,
Que enquanto houver lembrança de
pecado,
E tinta para borrar a História,
Não haverá mais céu nem
inferno que baste,
Nem futuro, nem passado,
E nem, mesmo, memória alguma que se
desgaste.
Parabéns,meu amigo.
ResponderExcluirEstes versos pungentes expressam o nosso espanto ante a crueldade humana, a náusea diante desse capítulo tão sórdido daquilo que chamamos de História da Civilização. Civilização?